domingo, 30 de julho de 2017

Contra A Escravidão Moderna Em Todas As Suas Formas

 
Hoje, último domingo de julho de 2017, o perfil em português do Papa Francisco na rede social Twitter deixou esta mensagem acima logo pela manhã. Cerca de cinco horas depois, eram mais de 1200 retuítes (o equivalente a compartilhar) e mais de 4000 curtidas (o equivalente a salvar nos favoritos).

Mas não vamos nos atentar aos números. Esses valores irão aumentar ao longo do dia e também nos próximos. E, independentemente de o quanto aumentem, o mais importante é a mensagem. A mensagem é:


    Conclamamos todas as pessoas de fé e de boa vontade a se comprometerem contra a escravidão moderna em todas as suas formas.

A escravidão moderna, evidentemente, é a escravidão de hoje. Aquela que está ocorrendo agora, nesse momento, enquanto eu digito esta publicação, enquanto você lê esta publicação, enquanto respiramos. Agora.

Partindo do conceito clássico de que a escravidão seja a coisificação do sujeito (isto é, transformar alguém em propriedade de outro alguém), peço a gentileza de que se faça um exercício: observar o mundo e detectar quem são os indivíduos escravizados hoje.

Sim, realize esse exercício agora mesmo.

Há humanos trabalhando para empresas multinacionais num cenário sombrio: proibidos de ir e vir, vivem fechados em ambientes com as janelas gradeadas. Gradeadas com uma única razão: o patrão quer evitar eventual tentativa de suicídio do empregado (leia-se escravo).
 

Há porcos confinados em galpões onde convivem em meio à dor e ao sofrimento seu e dos seus iguais, numa agonia perpétua que somente terá fim no momento em que for executado. Executado com uma única razão: o patrão quer transformar esses indivíduos (leia-se escravos) em produtos a serem consumidos por humanos.

Há galinhas cujo espaço de sobrevivência é equivalente ao de uma folha de papel ofício. Impedidas de viverem para seus próprios propósitos, essas criaturas (leia-se escravas) são tratadas como meras máquinas produtoras de ovos. Tudo para enriquecer seus patrões.
 

Há vacas permanentemente exploradas pela indústria leiteira, numa (sobre)vida angustiante onde é sistematicamente inseminada artificialmente, separada de seu filhote e sugada até a última gota de leite, jorrando dores... medos... inflamações... pus... O destino final: abatedouro. Essas mães (leia-se escravas) têm suas existências reduzidas a mercadorias.
 

Percebe como a escravidão moderna tem muitas faces? Percebe como, se não estivermos atentos, seremos nós mesmos os patrões de muitos escravos? Percebe como, enquanto não desenvolvermos empatia por aqueles e aquelas que sofrem, estaremos condenando cada um deles e cada uma delas à condição de escravidão?

Dito isso, resta dizer:

    Conclamamos todas as pessoas de fé e de boa vontade a se comprometerem contra a escravidão moderna em todas as suas formas.


Superar todas as formas de escravidão moderna é olhar por todos aqueles capazes de sofrer.

sábado, 18 de março de 2017

Consumir Animais: Um Papelão

A deflagração da Operação Carne Fraca (maior ação na história da Polícia Federal), é apenas um detalhe. Sim, um mero detalhe. Um mero detalhe dentro do universo no qual está inserida a indústria de animais para consumo.

O Brasil é um país que orgulha-se de matar, em um único segundo, 1 boi, 1 porco e aproximadamente 190 frangos. Em um mísero segundo. É uma matança sem precedentes. Um massacre de indivíduos conscientes, sencientes, inocentes.

Após a Declaração De Cambridge Sobre A Consciência Animal¹, nenhuma indústria que usa animais deveria se manter funcionando. Nenhuma. Só que grande parcela dos humanos se mostra mais interessada em ganhar dinheiro e obter prazer, custe o que custar, seja da forma que for. E esse "custe o que custar", essa "forma que for" incluem a exploração, o confinamento, a tortura e a matança sistemática de indivíduos conscientes, sencientes, inocentes. 

Ora, se já sabemos que animais não humanos sentem dor e sofrem, por que impôr dor e sofrimento a eles? Se já sabemos que eles possuem interesse na própria liberdade, por que privá-los disso? Em nome do quê? Pergunta retórica: de dinheiro e prazer. 

Esse cenário de indiferença à dor e ao sofrimento alheio é o de uma grave crise ética. Uma profunda crise civilizatória. Uma crise da qual desencadeiam todas as outras, pois se uma sociedade não se sustenta eticamente, ela não se sustentará em esfera alguma.

Nas redes sociais (incluindo o Facebook, o Twitter, o Instagram e o Whatsapp, para somente citar essas quatro), o assunto sobre a Operação Carne Fraca é altamente debatido desde o momento em que virou notícia. De tantas publicações, poucas propõem um aprofundamento do debate sobre nossa relação com as outras espécies. Majoritariamente, a preocupação é com o fato de haver papelão misturado aos pedaços de animais mutilados (eufemisticamente chamados de carne).

É como se, algumas décadas atrás, polemizássemos sobre campos de concentração sem inspeção sanitária em vez de protestarmos pelo fato de haver pessoas sendo sistematicamente mortas no Holocausto. É como declarar algo do tipo: "massacra, mas massacra com alguma higiene".

Precisamos entender que uma injustiça é caso de polícia não por questões operacionais, mas por questões morais. Neste cenário, não há que se discutir sobre a carne de um animal ser comercializada "fora do prazo de validade". Toda carne de animal consumida já é "vencida": é a ética sendo "vencida" pelo egoísmo.

Compreender que animais - humanos e não humanos - são dotados de senciência e, mesmo assim, consumí-los? Esse é o maior papelão nessa história toda. História na qual a Operação Carne Fraca é apenas um detalhe.


Instalações da JBS, conforme propaganda. Quantas vítimas você é capaz de ver nessa imagem?


¹Declaração De Cambridge Sobre A Consciência Animal: 

Nós declaramos o seguinte: 

"A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos".

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Perdão, Tilikum. Perdão

Era uma vez uma jovem. Forte, inteligente, desenvolta. Teria um vida longa e livre pela frente. Teria.

Com cerca de dois anos de idade, foi raptada quando estava passeando pela Islândia. Aqueles que a tornaram prisioneira deram uma sentença cruel: uma vida inteira de abusos.

Mas por que fazer algo tão torpe a alguém? Não pode ser vingança, pois esse alguém jamais o prejudicou. Então por quê?

A resposta, em uma palavra, é antropocentrismo. Ou, se preferir: especismo.

A jovem raptada nasceu orca. Para a indústria do entretenimento, se você é uma orca, você está automaticamente condenada ao confinamento. Pessoas da espécie humana pagam ingressos e se divertem assistindo performances absolutamente antinaturais de seres que nasceram para ser livres. Seres cujo lar é o oceano. Só que não. Não há liberdade para orcas no mundo dos humanos.

Foi assim com muitos indivíduos, foi assim com Tilikum. Hoje, 6 de janeiro de 2017, Tilikum ficou livre. Aos 35 anos de idade, Tilikum libertou-se da existência de orca no mundo dos humanos.

Descanse em paz, Tilikum. Desculpe por tudo. O que fizemos contigo é irreparável. E só de parar para pensar que a Sea World permanece impune, sinto vergonha da minha espécie. Formamos uma sociedade indiferente ao sofrimento alheio. E talvez esteja aí a síntese de todas as desgraças que colhemos.
Quatro animais que exploram indivíduos de outras espécies. O lucro da Sea World. A tragédia da orca.