domingo, 4 de dezembro de 2016

Vaquejada No Salvo-Conduto Da Legalidade É Mais Uma Temeridade

Em maio de 2015, o então presidente da Nigéria, Jonathan Goodluck, assinou uma lei que criminaliza a mutilação genital feminina em seu país. Era sua última semana de mandato e essa ação certamente representou um avanço ético inestimável para o conjunto populacional nigeriano - sobretudo para as mulheres, que passaram a ter o direito legal de não serem mutiladas.

Em novembro de 2016, o então presidente do Brasil, Michel Temer, sancionou uma lei que contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal e declarou a vaquejada como "patrimônio cultural imaterial" em seu país. Era seu primeiro ano de mandato e essa ação certamente representou um retrocesso ético inestimável para o conjunto populacional brasileiro - sobretudo para os animais não-humanos, que passaram a ter suas dores e sofrimentos caracterizados como patrimônio de uma nação.

Na imagem, três animais capazes de sentir alegria, prazer, dor e sofrimento.

A relação entre os dois acontecimentos - o avanço num país e o retrocesso no outro - está na palavra "cultura". Mutilações genitais femininas na Nigéria e vaquejadas no Brasil são práticas denominadas "culturais". Para as ciências sociais, cultura trata-se de um conjunto de idéias, comportamentos, símbolos e práticas sociais artificiais (isto é, não naturais ou biológicos) aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade. Para a Filosofia, cultura nada mais é que o conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural (ambas as definições podem ser encontras na Wikipédia). Ou seja, não podemos nem devemos "naturalizar" a mutilação genital feminina ou a vaquejada, por mais recorrentes que possam ser essas práticas ao longo do tempo em um determinado território.

Há um entendimento consagrado de que mulheres são, assim como homens, sujeitos de direito. Atribuir às mulheres um valor inerente menor que o atribuído aos homens é o que podemos chamar de sexismo. 

Em 2012, aquela que ficou conhecida como Declaração de Cambridge, trouxe para o mundo um debate que coloca os animais não-humanos como indivíduos sencientes. A partir de então, o status de "coisa" ficou absolutamente inadequado para o tratamento em relação aos animais. Dessa forma, atribuir às vacas um valor inerente menor que o atribuído aos gatos é o que podemos chamar de especismo.

Permanentemente atual em sociedades discriminatórias, o pensamento de Bertolt Brecht segue como guia:
Nada deve parecer natural…
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: 
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, 
nada deve parecer impossível de mudar.
A Nigéria soube fazer uma mudança positiva sobre um hábito antigo. Cabe ao Brasil trilhar o mesmo caminho. Pois, se formos ver atentamente, respeitar o Outro é o único caminho a ser trilhado. O Senado Federal deveria, no mínimo, seguir o exemplo da Suprema Corte. Tratar a vaquejada como patrimônio cultural imaterial é uma mutilação moral civilizacional. Além de inconstitucional.

Para assinar a petição contra a PEC 50 das vaquejadas, acesse https://www.worldanimalprotection.org.br/peticao-contra-pec-50-das-vaquejadas.